quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Transplante e a fragilidade das mães

Sempre é muito difícil tratar de temas dos quais não queremos mais escrever. Porém, quando assumimos, até sem ser intencional, não podemos parar, por respeito a pessoas que estão começando a passar por experiencias que ja vivenciamos. Apesar que jamais elas se coincidam, elas podem ser similares, e se podemos de alguma forma ajudar, no menor dos temas, porque não fazê-lo. Às vezes é preciso se despir de preconceitos, orgulhos, egocentrismos e etc, e se dar as mãos. É o que faço agora com uma mãe de 36 anos, matogrossense, com um filho de 12 anos que passará por um transplante nos próximos dias.

Senti que todos os temores que esta mulher vive hoje, já vivi, e como prometi, aqui está para você e para tantas outras um relato de nossa fragilidade perante a dor e aos temores femininos que nos envolvem. Temores que não falamos com nossos filhos e nem com nossos familiares, mas que enraizam em nossa mente, cedendo lugar ao de mais urgente no momento.

A estória de minha filha já contei em outras postagens, varias vivências familiares, estão ou no Blog da própria, do meu, ou do meu marido.

Aqui contarei resumidamente os ultimos quatro anos que se antecederam ao transplante.  Em abril de 2006  a hemoglobina(Hg) estava a 5.6g/dl e plaquetas 32.000. Em novembro deste mesmo ano Hg 4.9 e plaquetas 39.000. No ano seguinte 2007, estes valores ficaram em torno de 4.2 e 23.000 respetivamente. Com a baixa significativa das plaquetas em 2007, eu que ja vivia emocionalmente, quase em tempo integral para o que podia acontecer,  o medo começou a tomar conta de mim, e assim fui me isolando com meus medos e ate com a minha falta de fé no futuro. Poucas pessoas notaram este isolamento. Fiz crochet como nunca. Para ser sincera, nos anos de 2007 a 2010 deixei pronto 3 enxovais em bicos de toalhas e etc. Esta talvez tenha sido a forma que encontrei para não pensar nos problemas. E não tornar a mais chata das pessoas, quando nao consegue conversar  outro assunto. E confesso que nem assim, tive exito.
E em 19 de março de 2008 ela tomou sua primeira bolsa de sangue, que começou de tres em tres meses, em 2009  mensalmente e em 08 de Julho 2010, realizou-se o transplante.
Então o que posso dizer a voce ou a outras que estejam lendo este relato. Acho que fiz tudo errado. Tenho outras duas filhas, um marido e toda uma familia de irmãos, cunhados e etc, a minha volta. Eu os deixei de lado, mesmo inconscientemente, deixei. Por outro lado, minha filha, teve e  tem meu apoio integral, e o fato de ve-la totalmente curada, com fé no futuro, linda, corada, talvez eu fizesse tudo igualmente, de novo.
É muito difícil dizer o que fazer, ou como fazer, porque não ha certo ou errado, nestas situações, o coração fala mais alto, então te digo que ouça seu coração, e deixe o que pode ou não acontecer pra quando acontecer e se acontecer. Sofri demais por antecipação, não valeu a pena.

Foi durante o transplante que descobri que se eu não vivesse um dia de cada vez, não daria conta. Outros problemas podem surgir, e aí está mais uma razão para que sua vida comece e termine num unico dia. No outro, comece com um bom banho,  e apesar de amigos nem sempre serem verdadeiros, não deixe de ouvi-los, não deixe de conversar com outras mães, de trocar experiencias. Uma coisa te falo com toda certeza, isolar não é o remédio. Se precisar de um dia com voce mesma, o faça, mas não faça disto o seu dia a dia.

Não sou a pessoa indicada para dar receitas, mas para quem vive nestes corredores, há de se ter fé, de procurar ajuda mútua. Estes primeiros quarenta dias são cruciais para todo o processo. É preciso foco, em muitas vezes, coragem, em outras, de muita fé. Pois mesmo quando tudo da certo, como, graças a Deus é o nosso caso, voce acaba sofrendo por tabela, por outras maes, por outros filhos. E se necessário ajuda médica, procure, há profissionais brilhantes neste meio. Este quarto e decimo quinto andares deste hospital (Hospital de Clínicas da UFPr) são abençoados. Existe muita dor, mas tambem muita alegria.

Posso ainda te dizer que tudo realmente passa, e aí voce olha para tras e vê que seu fardo foi leve como pluma, que seus temores foram em vâo e ainda descobre que no meio de todo este turbilhão, Deus ainda te mostra a verdadeira face dos que te abraçam. Então, não se desanime nunca, comece este processo, desde já com uma fé inexorável, deixe Jesus caminhar a sua frente. Não duvide, não desanime. Confie e lembre-se, não é o que queremos que prevalece, mas sim o que Deus quer. Haverá sempre uma explicação para tudo nesta vida, basta confiar no tempo de Deus, e não no nosso tempo. O tempo humano é egoista, é para ontem, entende?

Não sou a pessoa forte que pensava ser, sou frágil, pequena, como tantos, só somos mães. Mas e daí, se choramos, se somos chatas e etc., somos mulheres que no meio deste mundo machista sobrevive, como mães, esposas com responsabilidades iguais e portanto devem ser repartidas. Não queiram ser uma mártire!  Muitos outros episódios, até meio bizarros, aconteceram, mas que não valem a pena mencioná-los, não fizeram parte do transplante, e se por um acaso voce tiver algum dissabor durante este processo, ainda assim, agradeça a Deus pela oportunidade de ver sua família sorrir, e o mais importante que voce uma dia sinta a plenitude de ter a consciencia tranquila de ter pelo menos tentado, fazer a coisa certa.

Bem, 7 meses após o transplante, tudo vai se encaixando, como se antes estivéssemos na coxia, aguardando tão somente o abrir das cortinas, não para uma platéia, mas para uma vida inteira para viver. Todos nós.

Espero, que no meio deste turbilhão de pensamentos e filmes que passaram pela minha cabeça, eu possa, de alguma forma, ter colaborado em sua busca de achar o equilibrio da distância, dos fantasmas.... Deixe Jesus ir a sua frente... Não é fácil pra ninguém, todas nós choramos, nos desesperamos, não tenha receio, não tenha medo, seja você, seja mãe neste momento, os outros momentos se encaixarão com o tempo.

Olha, não conheço muito de direitos mas a causa é nobre, salvei em 2008, um texto de um blog que se chama se eu não estiver enganada Proza Café, que vale a pena ser inserido aqui:


Se eu tenho uma dor, eu não a abandono, não fujo dela, quero alfabetizá-la, senão ela corrói as outras lembranças, adorna-se do que não é dela, apossa-se das alegrias que a antecederam e das alegrias que estavam por chegar.

Mas há dores analfabetas, arrivistas, que nos mostram o quanto a própria palavra pode ser fútil e desnecessária, o quanto os planos podem nos contrariar, o quanto somos inexplicavelmente insignificantes.
Fabrício Carpinejar