segunda-feira, 5 de abril de 2021

Precisamos falar sobre a morte


 Os profissionais da saúde  interagem com o processo de morte e morrer na sua atividade profissional, num contexto sócio-histórico negando a morte e assim a maioria ainda se detém  nos aspectos teórico-técnicos. Talvez porque não tiveram uma formação acadêmica onde claramente se vislumbre que a morte está inserida e faz parte do nosso cotidiano.

A importância que nós ocidentais temos, urgentemente de encarar o tema já é claro para boa parte de equipes técnicas do nosso país. Tratar o tema, sem nenhum tabu evitará sofrimento na velhice e em pacientes de doenças graves, porém todos, em qualquer idade podemos morrer, uma vez que não somos imortais. 

Devemos nos preparar, pois assim teremos uma vida mais digna e aproveitar desta existência da melhor forma possível.  A única certeza da morte é a vida!

Porque ainda, a grande maioria diz "não estou preparado para a morte"; porque preparamos tanto para o nascimento com cartazes de bem vindo, festas para tudo e não preparamos para a morte? É certo deixar para a família todas as decisões a serem tomadas? Gostaria de ser cremado? Gostaria de ser intubado, mesmo que isso  te prolongue apenas alguns dias? O que você gostaria que fosse feito na sua finitude? Em caso de estar apto, gostaria que seus órgãos fossem doados?

  Estas decisões cabem a cada individuo e nunca a um familiar que já vai estar abalado com sua perda. Tudo se torna mais sereno quando se sabe o que e como fazer. 

Voê sabia que já existe um documento chamado Testamento Vital? Tome conhecimento. Pesquise! 

Esta ausência de informações pode criar embates desnecessários em um momento que teria de ser calmo, pois os que ficam já vão ter que trabalhar com o luto.

Existem no Brasil muitos médicos que lutam para esta conscientização. E ainda livros que devem ser lidos e que te ajudarão a encarar o tabu da morte e você acabará por descobrir que como ela é inevitável, ela pode ser em paz, e na forma que você escolher.

Sobre este momento, temos que nos lembrar que antes da morte poderá vir uma doença grave. E um simples texto não explicaria todo o contexto, porque tanto da parte do cuidador como de quem esta sendo cuidado, é preciso: empatia, compaixão, reconhecimento, disposição, perdão,  disponibilidade, saber que o paciente estará sempre em um nível superior a nós.. e é no olhar que ele reconhecerá tudo isso, também com muita escuta e com muita presença.

É preciso reconhecer toda a dimensão espiritual do momento, respeitando o sagrado de cada um.

Todas as etapas são importantíssimas tanto para quem esta morrendo quanto para quem enfrentará o processo de luto.

É um pequeno texto para iniciar, alertar para a importância do tema.

Livros: para iniciar

A morte é um dia que vale a pena viver - Ana Claudia Quintana Arantes, (Esta médica/escritora para mim é a maior autoridade que temos hoje no Brasil)

Enquanto eu respirar - Ana Michelle Soares

A roda da vida - Elisabeth Kubler-Ross

Pessoas para seguir

Sem dúvida alguma, as duas escritoras acima

Tom Almeida

Odenício de Melo

...

Uma infinidade de palestras e grupos sobre o assunto estão disponiveis na internete.

O intuito aqui é colaborar com aqueles que ainda não pensaram no assunto.

RUBEM ALVES

A morte e o silêncio


Somente os tolos tentam consolar. Eles não sabem que as palavras de consolo são ofensas à dor da pessoa


Nos breves intervalos em que a chuva parava de cair e os raios de sol se infiltravam pelas nuvens, o arco-íris aparecia fazendo os homens se lembrar da promessa que Deus fizera depois do dilúvio: ele nunca mais permitiria que as águas destruíssem a vida. Mas parece que ele se esquecera. A chuva caia sem parar alagando campos, inundando cidades, derrubando casas, matando gente e bichos.

Ele era um menino de 14 anos, feliz, que gostava de viver. Filho único, morava em Floripa. Como todos os meninos e meninas, ele deveria ir à escola naquele dia, porque a chuva não estava tão forte assim. E andar na chuva é uma arte que dá alegria às crianças.
Chegou a hora do recreio, tempo livre para brincar. A chuva voltou a cair mais forte, com raios e trovões. Havia um lugar abrigado da chuva, uma marquise, construída fazia três semanas. Era uma cobertura de cimento, planejada por engenheiros que sabiam o que estavam fazendo. Sólida. Ele se abrigou sob a marquise para ver a chuva. Mas a marquise, ignorando ferro e cimento, caiu sobre ele, esmagando-o. Agora, no seu lugar, resta uma dor que nenhuma palavra pode conter.
A morte faz calar as palavras. São inúteis. Servem para nada. Somente os tolos tentam consolar. Eles não sabem que as palavras de consolo, brotadas das mais puras intenções, são ofensas à dor da pessoa golpeada pela morte. Porque elas, as palavras de consolo, são ditas no pressuposto de que elas têm poder para diminuir o vazio que a morte deixou. Como se a pessoa que a morte levou não fosse tão importante assim e algumas palavras pudessem diminuir a dor que sua morte deixou.
Mas não há palavra ou poema que possa com as únicas palavras que a morte deixa escritas: "Nunca mais". Nada existe de mais definitivo e mais doloroso que esse "nunca mais...

Bem fizeram os amigos de Jó que o visitaram com o intuito de consolá-lo na sua desgraça. O texto bíblico descreve o que aconteceu:
"Quando eles, de longe, o viram, eles não o reconheceram; e eles levantaram suas vozes e choraram. E eles se assentaram com ele no chão durante sete dias e sete noites, e nenhum deles lhe disse uma palavra sequer, porque eles viram que o seu sofrimento era muito grande" (Job 2.13 ).
Todos os amigos querem diminuir o sofrimento da mãe. Cercam-na com palavras que, pensam eles, trarão algum consolo. Mas que palavra ou poema poderá substituir o seu filho? E a chamam ao telefone para dizer-lhe suas palavras doces e cheias das intenções mais puras. Mas a pureza das intenções não garante a sua sabedoria. E aí, à dor da morte do filho, acrescenta-se uma a outra dor: a mãe é obrigada a ouvir os consoladores delicada e pacientemente, com sorrisos de agradecimento... Mas são tantos os consoladores e eles cansam tanto...
Gestos de consolo, lembro-me de um que me comoveu. Eu vivia em Nova York com a minha família. Aí o pai da minha esposa foi morto num acidente, no Brasil. Ao abrir a porta do apartamento, no chão estava um buquê de flores. Aquele que o trouxera se retirara em silêncio. Não tocara a campainha. Mas deixara um bilhete onde estava escrito: "Não quis perturbar a sua dor..."