quinta-feira, 9 de outubro de 2025

A Dor que Não Cessa e o Amor que Transborda


É um peso imensurável carregar a dor da ausência de uma filha, e é perfeitamente compreensível, pelo menos para mim, que mesmo após onze anos, o tempo pareça ter parado.

A dor de repente se torna palpável novamente, um choque que nos atinge, como se fosse a primeira vez.

É realmente inacreditável como a mente e o coração lidam com o luto, alternando entre a memória viva e a realidade cruel.

E não há palavras que consigam fazer justiça à profundidade dessa dor, é uma saudade que corta, que corrói. É a dor da inversão natural da vida, onde os filhos deveriam enterrar seus pais, e não o contrário.

Esta é uma dor que pode ser sentida como um vazio no peito que nunca se preenche, um espaço que só a presença dela ocupava.

Uma âncora que, por vezes, impede de seguir em frente, puxando para o passado.

Um eco constante da risada, da voz, dos planos que não se concretizaram.

A quebra de um espelho onde se via o futuro, um futuro que agora está com uma peça essencial faltando.

Um amor eterno que, por não poder ser expresso através do toque, se manifesta em lágrimas e em lembranças.

Saber que ela faleceu há 11 anos e sentir que foi ontem é a prova de que o amor é atemporal, e o luto é o preço que pagamos por esse amor profundo.

Não há uma "cura" ou um caminho certo no luto, mas existem formas de honrar a memória dela e cuidar de mim, permitindo que a dor coexista com a vida.

Pensei em realizar com maior intensidade coisas simples, como plantar uma árvore em memória, fazer uma doação, me voluntariar para uma causa que ela apoiava, ou escrever muito sobre ela, ou fazer algo que pudesse transformar a dor em ação. Mas antes que eu me recompusesse, exatamente 1 ano após a perda de minha filha, meu pai também se foi...

Às vezes digo o nome dela em voz alta, porque parece que assim mantenho sua presença viva, porque onze anos não diminuem a importância dela em minha vida.

No dia do nascimento, 03.01.1984, tenho vontade de oferecer um jantar em memória dela, mas não posso.

Tenho mais 2 joias raras na minha vida, e uma delas é a gêmea, que provavelmente, como toda a família, sofre nesta data. Não exteriorizamos esta dor neste dia.

Quanto aos meus projetos, continuaram a ser adiados, pois 2 anos depois de meu pai, minha mãe também se foi... Seguem seus caminhos segundo a vontade de Deus...

Após terapia, resolvi ser gentil comigo mesma. Não me cobro para estar ou parecer bem, não quero que a dor diminua em prazos. Então choro ou fico em silêncio, quando achar que devo. E não importa quantos anos passem!

Agradeço muito à espiritualidade, ao Pilates, à Zumba que me ajudam a manter corpo, alma e conexão com Deus em sintonia.

Então, em uma página no Facebook, criada em 2014, ano em que minha filha partiu, dedico até hoje a sua memória e passei a escrever também no meu blog criado em 2010. Estas escritas que parecem ser superficiais são como um bálsamo em dias angustiantes.

E após o ano de 2018 tenho me dedicado todo o meu tempo a pessoas com doenças que ameaçam a vida. A pessoas que precisam comer, vestir, etc.

Sabiam que a Hanseníase ainda é muiiito presente em nosso meio?

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Sabiam que crianças, adultos (todas as idades) lutam pela vida com Câncer, Anemias Variadas e outras muiiitas comorbidades?

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Enfim, não realizei grandes projetos, mas estudei e estudo muito e ajudo no que está ao meu alcance, pois tudo isso é a minha maneira de transformar a dor em ação positiva.

Por isso escrevo, é o meu jeito de colocar para fora uma dor que corrói. Sem ou com pressões emocionais.

Sei que não estou só e Onze anos de saudade significam onze anos de amor inabalável.

Tudo isso, posso chamar de "Luto em Conflito": a dor avassaladora da perda se choca com a necessidade de proteger e celebrar a vida da filha que está presente. A necessidade de não entristecer os meus com minhas dores. A tentativa de transparecer estar feliz. A certeza de que é difícil para todos, mas que o silêncio é maior. O sentimento de que seguir é muito difícil.

Mas entendo que o que eu estou fazendo é um ato imenso de amor e proteção, mas é fundamental, no meu ponto de vista, reconhecer que eu não preciso sofrer em silêncio para sempre, pois a longo prazo, o silêncio pode ser prejudicial a todos, pois impede o luto compartilhado.

Para mim, tentar "transparecer estar feliz" é exaustivo. É como segurar a respiração o dia inteiro. Chega um momento em que essa repressão causa um dano maior.

Quando tentamos esconder o luto, o outro (familiar enlutado) sente que o luto também precisa ser escondido ou que a perda não pode ser lembrada abertamente. Isso isola, fazendo com que carreguemos pesos desnecessários.

O que posso fazer em datas especiais, e ainda não fiz, porque percebo que a maioria prefere o silêncio, não é apenas transparecer felicidade, mas sim integrar a lembrança da minha filha, da minha mãe, do meu pai que se foram, de forma que o amor não seja apagado e o luto seja validado, sem sufocar a alegria da vida, porque o silêncio neste dia separa os momentos, mas JAMAIS o amor.

Brindo com alegria a vida dos que estão aqui, mas brindo com o coração a vida dos que partiram e sou imensamente grata pelos 30, 91 e 89 anos que partilharam conosco.

E assim encontrei uma maneira para transformar o silêncio opressor em uma lembrança ativa e amorosa. Porque é permitido sentir alegria e a saudade ao mesmo tempo.

A dor é minha, e ela é válida. Tentar seguir é a minha única opção, mas não preciso seguir fingindo que a pessoa mais importante que se foi não existiu. O amor que eu sinto pelos que se foram não diminui o amor pelos que estão aqui.

E falando em minhas filhas, devo dizer que minha caçula que é o meu brilhante, que por ser exatamente como ela é, me permitiu por anos dedicar a médicos e viagens necessárias, sem cobranças. Desde criança já era a adulta da casa. E de coração desejo que nada disto tenha sido pesado demais para ela. Te amo demaisss!

O maior presente que posso dar às minhas filhas é mostrar que é possível amar e lembrar, mesmo com o coração quebrado.

 

 

 

Sobre o Livro SEM DESPEDIDAS






 

Terminei de ler o  livro  Sem Despedidas de Han Kang.

 Me perdi um pouco e tive que voltar algumas páginas.  Até que entendi que a autora se aprofunda em memórias de uma  violência histórica, que não permitiu aos mortos sequer uma "despedida" adequada, que ainda assombram as gerações atuais.

Ao me dar conta disto. Parei o livro e fui ler sobre  esta tragédia.

Pesquisa da época:

Foi um trágico episódio na ilha de Jeju entre 1948 e 1949, conhecido como o Massacre de Jeju (ou Levante 4.3), ocorreu em um período de grande instabilidade e polarização na Coreia, logo após o fim da ocupação japonesa e o início da Guerra Fria na península.

Os moradores de Jeju foram vítimas de uma repressão brutal por parte das forças governamentais e milícias de direita da Coreia do Sul devido a uma combinação de fatores, que são:

1. O Contexto da Guerra Fria e a Divisão da Coreia

Com o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, a Coreia foi dividida: o Norte ficou sob influência da União Soviética, e o Sul, sob a administração militar dos Estados Unidos (USAMGIK). A ilha de Jeju, no sul, tornou-se um palco da intensa luta anticomunista.

Medo do Comunismo: O governo provisório sul-coreano, liderado por Syngman Rhee e apoiado pelos EUA, via Jeju como um "reduto do comunismo" devido à forte presença do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Sul (esquerda) e ao descontentamento popular.

2. A Faísca da Revolta (3 de Abril de 1948)

O catalisador do massacre foi a reação popular contra a interferência dos EUA e o plano de realizar eleições separadas apenas no Sul, que levaria à divisão permanente da Coreia.

Protestos e Repressão: Em 1º de março de 1947, a polícia atirou contra uma multidão em uma manifestação pela independência, matando civis. A falta de punição aos policiais levou a greves e protestos.

O Início do Levante se deu na madrugada de 3 de abril de 1948, rebeldes armados (ligados ao Partido dos Trabalhadores da Coreia do Sul) atacaram postos policiais, intensificando a violência na ilha.

 3. A Resposta Brutal do Governo Sul-Coreano

O governo sul-coreano (antes e depois da eleição de Syngman Rhee) reagiu ao levante com uma política de terra arrasada, classificando os manifestantes e qualquer simpatizante como "comunistas" ou "simpatizantes do regime norte-coreano".

Repressão em Massa: Policiais, militares e milícias anticomunistas executaram sumariamente dezenas de milhares de moradores. A estimativa é que entre 15.000 e 30.000 pessoas foram mortas – cerca de 10% da população da ilha na época.

Aniquilação Familiar: As forças repressoras executavam não apenas os suspeitos, mas todos os membros de suas famílias, eliminando aldeias inteiras.

"Experiência de Combate": Oficiais dos EUA na época estavam cientes da violência e, segundo relatos, chegaram a ver o levante como uma oportunidade para as forças sul-coreanas ganharem "experiência de combate" contra o comunismo.

O massacre foi, essencialmente, uma operação militar de supressão de dissidentes e de limpeza ideológica, com o objetivo de eliminar qualquer oposição à formação de um Estado sul-coreano alinhado com o Ocidente. O evento foi amplamente negado e silenciado na Coreia do Sul por décadas, sendo retratado como uma "rebelião comunista".

FONTE: IA

Bem, a partir desta pesquisa, reiniciei o livro. E foi maravilhoso. A autora consegue como poucos descrever os traumas que nos afetam por gerações.

Às vezes é difícil descobrir em nossas lembranças o que é realidade e o que é ficção.

E o quanto é doloroso não saber onde estão os corpos dos nossos entes queridos. Nos faz pensar em todos que tiveram filhos desaparecidos ou familiares que não voltaram da guerra. O quão é importante para nossa psique conhecer onde os ossos descansam.

... E tudo começa quando ela viaja para olhar um pássaro; o poder da amizade! Com muita prosa poética! Sem spoilers. Leia o livro. Porque é bom. E conhecer a história, para mim foi importante.